mort mot juste

agosto 02, 2007

A Flor no Espelho

Em oito anos havia aprendido muito. Já sabia que se esconder de nada vale quando se excede em altura em relação ao criado-mudo, e que fabricar lágrimas não é a estratégia mais apropriada para se fazer perceber depois de se ter passado anos chorando. Ela precisaria argumentar, como explicava a professora de língua, se quisesse convencer alguém.
E os olhos novos que guardaria no armário do banheiro entre os gordos chumaços de algodão haviam falhado; ninguém entendera. O espelho novo e sem asas a perscrutava, ela o encarava em retorno, tudo no silêncio de sua respiração dobrado pela respiração do reflexo. Mas o espelho não via nada: o espelho era cego.
As lembranças que a desagradassem ou que por algum motivo não desejasse guardar poderiam ser deixadas no chão para alguém pisar. Pois o dia era uma flor cheirosa, ela sabia, de pétalas novíssimas, cujo único destino era morrer e morrer logo. Morrer ela pensava teria gosto de leite ou chá quente, mas a vida sempre ganhava nessa época então viver tinha gosto de café com pouco açúcar.
Morrer, viver, morrer, viver: no caderno de caligrafia. A professora reclamava e pedia outras palavras, então ela escrevia em letras redondas leite café, leite café. A professora sorria aliviada e elogiava, ela sorria de maldade da ignorância da professora.
Era feita de cegueira, era de fato o reflexo do espelho que nem asas tinha. Até as baratas tinham asas, mas ela não. Era cega, cega, e estava presa aos lugares e às coisas sem poder sair. Então que lhe surgiu um belo argumento, já que era fruto e produto de cegueiras maiores: ora, o espelho é cego. Com seus olhos emprestados ele tinha de ser o mais infeliz dos objetos.
-Mãe, o espelho é cego.
E a mãe emitia uma risada curta e baixa e afagava-lhe a cabeça, ao que ela se sentia um gênio da argumentação e sorria satisfeita.

maria 5:58 PM 1 vociferando estavam



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