mort mot juste

julho 06, 2007

uma memória

Me acomete de tempos em tempos um fenômeno intrigante: lembro-me de tudo. Todos os detalhes de um determinado acontecimento, de um momento no passado, se descortinam em rendas lavradas com precisão para o tédio dos meus olhos. Às vezes também me ocorre lembrar o futuro, e isso é coisa difícil, também não vem ao caso. Pensei relatar uma memória antes que se junte a outras tantas no ensolarado terreno estúpido das lembranças perdidas. Aqui trato de uns certos quinze minutos.
Ocorreram depois de um passeio longo e dolorido. Teve fim num ancoradouro vazio, as pernas se me dobravam e eu gemia e gritava e era um entardecer tão patético que fui obrigada a rir da minha própria desgraça, depois. Em seguida a volta pra casa, que me foge ao completo da mente, então as escadas, a porta do quarto de dormir, e finalmente os meus quinze minutos.
Eu tinha as pernas balançando sem tocar o chão e os olhos no piso envernizado entre as meias úmidas. Então descobri que esticando a perna esquerda poderia alcançar a gaveta, e abri-la com o pé, e fecha-la,- cheguei a pensar em talvez escrever um lembrete sobre arrumá-la em breve- e abri-la, e fecha-la indefinidamente. Dos pensamentos que me vieram listo aqui o débil entusiasmo a respeito de livros de recente aquisição, uma preocupação passageira com a saúde do animal de estimação (que no momento latia), e a silenciosa e nauseante ponderação acerca de uma crise existencial que me acometia em anos de juventude mais crítica. Porque a juventude é quase que uma condição médica, ouvi hoje mesmo no telejornal; foram as palavras de um desses metempsicólogos que andam em voga desde o começo do ano.
À gaveta. Abri-a e tornei a fechá-la tantas vezes que o som da corrediça e da madeira batendo, tão constante, tão livre de expressão e de variações no tom, teria enlouquecido o leitor em menos de quatorze minutos. Mas eu não ouvia mais o som. E foi assim que fiquei surda.

maria 9:06 PM 2 vociferando estavam



ao rés da fala