mort mot juste

setembro 29, 2007

sem título

Todo prédio cor de caramelo ostentava simetrias limpas e reluzentes nas janelas. Alguém respirava muito perto do vidro, imagivana respirar o ar da rua, a janela ficava opaca. Plac. Pensou que poderia ser uma pequena bomba explodindo. Ou teria esmagado com os pés algum animalzinho urbano que fizesse este som ao morrer. Que culpa horrível. Mas era apenas o pneu de alguma moto.
A garoa ia refrescar o asfalto e a pele dos passantes, portanto se aborreciam olhando para o céu. Amaldiçoavam-no. Era a lógica da cidade: as gotas, aumentando, inutilizavam aos poucos o resto do seu sorvete.
Os olhos das pessoas eram monstruosos, seus rostos macilentos e esverdeados e, seus dentes, todos eles pontudos. Lambeu o sorvete, tinha gosto de chuva. Procurava uma lata de lixo, as pessoas andavam mais rápido. O movimento só tinha duas direções.
Os corpos eram ombros verdes, cotovelos verdes, pés, bolsas e pastas retangulares.
Ela agarrava a alça da bolsa de carteiro e a saia molhada começava a dar calafrios; ou era o estrondo vindo de cima que os provocava. Fazia questão dos olhos monstruosos, que desviavam.
O coração pequeno arremessado ora contra um pulmão, contra outro. Tinha vergonha de sorrir sozinha; não retribuiu o adeus das árvores se desfazendo em folhinhas molhadas. Seguia com os olhos arregalados e a boca fechada, a expressão mais impassível que conhecia, o rosto virado para as vitrines. Colheres guarda-chuvas telefones copos plásticos folhetos e pentes. Algum dia morreriam todos afogados no meio de tudo isso.
As vitrines rareavam e ela tinha febre, os olhos se fechavam contra sua vontade. Tinha sono, mas o caminho era longo. Adormeceu aos poucos, com a grita das buzinas e a cadência dos carros, dos passos, das gotas (da violência das gotas contra as árvores, das árvores contra a fumaça).
Adormecia todo pedestre de olhar verde e compleição monstruosa rangendo os dentes pontudos, no grande berço que embala vazio os sonhos de quem passa.

maria 1:26 PM 0 vociferando estavam



ao rés da fala