mort mot juste

dezembro 23, 2007

Aniversário

Queria outro par de olhos, mas não para si. Pensava em pedir que deixassem a morte em paz na grama e nas eventuais rachaduras na calçada, que secasse cada pedaço em silêncio sem as mãos armadas de tesouras e os olhos de admiração banal. Conseguia apenas alcançar seus joelhos e esses não resolveriam nada, sentiu vontade de silêncio e então esmagou os cacos de louça encharcados com os pés. Certamente, também era inútil tentar conversar com os sapatos deles, mas a visão era limitada: era isso, ou então os joelhos.
Entre as florezinhas que colhia como todos os outros (fechava os olhos neste exato momento e afirmava, os olhos fechados com força e dizia que tinha um motivo melhor e por isso não era em vão) e os fios que arrancava às vezes, corajosa, aquelas eram sempre as primeiras a mudar, deveria ser o escuro do armário branco mas descobriu que o sol fazia o mesmo e da cor ela lembrava só à noite.
Era culpa do vento ou do sonho que havia se quebrado o branco e azul com flor, não sabia ou talvez estivesse mentindo; mas o chão molhado indicava que ninguém havia descoberto, ainda. Mentia, sempre perdia os fios e nunca conseguia concluir a experiência. Esperava sentir no outro dia a dor no ponto de onde saíam os cabelos, e de como era igual olhar o relógio limpo se mexendo com os bracinhos esticados de uma mancha à outra. Mas depois era só igual ao corte no pé com a louça que atravessou a sandália. Observava a ferida vermelha e preferia o vermelho do céu, virava a cabeça para algum inseto morto na parede e logo perdia o interesse. Curiosamente, os bracinhos estavam alinhados verticalmente sempre que precisava ligar a luz do teto.
Esquecera-se da grama.
No dia seguinte a qualquer um voltava a esperar, em parte atenta e o resto procurando outra coisa para fazer. Enquanto enxergavam apenas o topo amarelo e brilhante da sua cabeça, estava em segurança e os dois olhos que planejava obter poderiam esperar até de manhã, dormia muito porque assim tudo acontecia mesmo que negassem depois.
A manhã vagarosa não existia; ser de manhã ou fingir que é deviam ser estados muito parecidos.
Exigiria, mesmo com a boca doce e as cobrinhas coloridas que morriam na água em volta e os barulhos, com quais palavras inventaria mais tarde e era possível que se gesticulasse muito, ou se até mesmo fizesse algumas lágrimas, entenderiam.
Esquecia com os olhos. A poça de água diminuía, haveria alguém descoberto e começado a secá-la? Não adiantava contar os dias em rabiscos nem sempre confiáveis; mordeu as unhas, sentou-se no chão. Se resolvia por um lago, mantido obviamente em segredo. Descartava elementos, escolhia outros, abandonava os cisnes já batizados à sua própria sorte por uma idéia melhor. Prometia visitar sempre, mentia porque não sabia o caminho.
Engolia para preencher o tempo e entre os goles secos teria a opção de inclinar a cabeça e avançar uns passos, para ver os diamantes de sol na calçada e depois não ver mais. Passou uma folha marrom depois de um carro, mas não conseguiu mais rolar e ficou ali mesmo. Descansando.

[julho 2006. terceiro lugar concurso literário categoria conto UFPR em 2007. não sei porque não postei antes. P.S. o blogger comeu os parágrafos.]


maria 1:06 PM 4 vociferando estavam



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