mort mot juste

janeiro 22, 2008

Meu Irmão e a Carta

Começo esta exposição do momento em que eu estava como que dentro de um sonho, e me cabia a tarefa auto prescrita de impedir que meu irmão terminasse de quebrar o selo do envelope com seu nome e a minha caligrafia gravados na face anterior. Eu corria em sua direção há horas, cega pelo suor a escorrer olhos adentro e certa de que poderia transpor a falta de voz própria dos sonhos e repreendê-lo a tempo de deixá-lo suficientemente confuso para que eu pudesse arrancar-lhe a carta das mãos. Aquelas horas duravam exatamente os gestos trêmulos de meu velho irmão-quem me escuta reconhece, a história é vera- que já antecipava um acontecimento horroroso do qual não tivera tempo ou meios de me salvar. O leitor nunca poderá precisar de forma digna a necessidade monstruosa que meu irmão tinha de resgatar as almas de quem quer que fosse, por bem ou por enfadonha insistência.
Quando ele finalmente tinha o documento esticado sobre a escrivaninha foi que senti um solavanco digno de acidente ferroviário e pude então parar de correr. As imagens à minha volta retornavam aos movimentos normais de R.E.M. e assim senti que poderia estar numa motion picture moderníssima cheia de efeitos recém-inventados como chuviscos de interferência e mosquitos pousados na tela de projeção. Não foi difícil reconhecer minha mãe, vestindo os trapos usuais e debochando elegantemente de histórias antigas e inválidas sobre a desonestidade de banqueiros no interior do estado.

Meu pai, a seu lado, franzia a testa e estava de pé como um retrato, e me pareceu que ele era de fato um retrato engravatado de relógio de bolso e não mais meu pai.
Meu irmão, agora representado em uma escala enorme que fazia de mim um miserável rato, balia comigo por entre nuvens de fumaça grossa, que coisa terrível, terrível de se dizer, Maria, certamente odiosa! E eu nã-não, sabia que ia entender mal, deixe-me explicar, e ele não atentava para a minha presença talvez pelo tamanho que havia eu adquirido ou porque a minha garganta não vibrava às tentativas de gritar.
Chorei fundo, dolorido, senti brônquios se partirem em meus pulmões e chorei mais ainda. E como havia acontecido três segundos antes, meus olhos nada prestavam com toda aquela água; meu pai se afastava de costas (uma figura de terno escuro se afastava, aparentemente de costas) e o resto da cena era uma fotografia borrada.
Resignada, desisti do que tentava fazer -a ação exata me foge à memória- e estanquei as lágrimas na camiseta. Agora eu ditava da campa meus desejos finais. Lembrei-me de que nada poderia ter sido evitado se não tivesse me arrastado pelo corredor até aquele pobre homem e zumbido em seu ouvido; tens carta, vá ler, antes que a chuva deste pequeno inverno ensope as palavras e as torne ilegíveis.
Meu irmão soluçava e guinchava sentado à sua escrivaninha.


(postando novamente uns textos perdedores de concurso)


maria 1:00 PM 0 vociferando estavam



ao rés da fala